Pintura sobre rosto

Pintura sobre rosto
POR VALDOMIRO SANTANA

Se o imaginário e o desconhecido não fossem mobilizados, como são, nas artes plásticas, no circo, no balé, na fotografia, no cinema, nas mídias digitais; se não nos assaltassem o olho, o que seriam? Matéria amorfa, chata, sem graça. Ora, o que Nanja faz na série de pinturas sobre rostos Eu e minha máscara é desenquadrar o que não é mais a parte anterior da cabeça, limitada pelos cabelos, orelhas e parte inferior do queixo. Isto que chamamos cara, face, fisionomia, semblante, é o quê, afinal, quando nos libertamos do familiar, do tédio em que se transformou o arquétipo “rosto”, de tudo que é maquilagem, dos clichês de terror, charme, euforia, estado zen, sono e o que mais quiserem, até mesmo do que denominamos “Eu” e “máscara”, como se fossem distintos? Mapa. Uma superfície: linhas, traços, rugas, formato comprido, quadrado, triangular etc. Mapa, sim, porque ao nos libertar do que nos remete à imagem do conhecido, a cabeça está compreendida no corpo, mas não o rosto. Mapa, ainda que aplicado sobre um volume, envolvendo-o, ainda que cercando e margeando cavidades que não existem mais senão como buracos. O que temos então? Rostos-paisagens. Dupla audácia: a de Nanja e a de Leo Brasileiro, o fotógrafo. Em cada mapa, um caos, um caosmos. Sim, porque não há rosto que não envolva uma paisagem desconhecida, inexplorada. Sabem o que fiz diante desses rostos? Dei-lhes um fundo musical. Roubei e colei toda a trilha sonora que Nino Rota compôs para a última sequência de Oito e meio, de Fellini. Improvisei, experimentei. A arte de Nanja e Leo ficou ainda mais sensacional. Mas isso não é uma receita, um modelo. Inventem uma recepção para a audácia dos dois.